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Ouroboros

  • Foto do escritor: Valeria Pagani
    Valeria Pagani
  • 9 de mar.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 30 de mai.



Eu conseguirei o que nenhum homem jamais sonhou: eu viajarei no tempo e voltarei da primeira viagem decidido. Eu precisarei sair da sala antes dele chegar. Não poderei permitir que o erro se repita. Porem, não terei tempo. Ele baterá na porta. Eu tentarei sair apressado, mas ele ficará confuso e perguntará:

─ Está tudo bem, Doutor Augusto?

Olharei para ele e, naquele instante, o tempo fará sua mágica. Eu ouvirei sua voz suave e macia e não terei forças para fugir. Seu cheiro inundará o laboratório, exatamente como das outras vezes. A expressão confusa em seu rosto será a mesma. O jeito que ele inclinará a cabeça, a forma como seus dedos tocarão a moldura da porta... Cada detalhe confirmará a linha do tempo. Eu darei meia-volta no corredor, pedirei desculpa e sorrirei cordialmente.

─ Desculpe incomodar, doutor. ─ Dirá ele de forma acanhada e estenderá a mão. ─ Muito prazer, eu sou Felipe Almeida.

─ Você é o assistente enviado pelo reitor? ─ Eu lhe darei um aperto de mão e me controlarei para não puxá-lo ao encontro do meu corpo para um forte abraço.

─ Isso, eu vim para ajudar no Projeto Ouroboros.

Felipe me entregará uma pasta com o seu currículo e eu não precisarei ler para saber que ele tem: PhD em Física Teórica, Mestrado em Computação Quântica e Bacharelado em Engenharia Mecatrônica e que ele vai ser o grande amor da minha vida e que por mais que eu tente lutar contra isso nosso destino estará traçado. Um turbilhão de pensamentos tomará conta de mim. Não deverei amá-lo novamente. O quão monstruoso será permitir que nossa história se repita. Não importa, eu sempre acabarei permitindo, porque os olhos escuros e profundos de Felipe, me farão mudar de ideia todas as vezes que eu pensar em me afastar.

Nossas vidas se entrelaçarão aos poucos. Deixarei que nossos laços se estreitem novamente, aproveitarei cada instante, cada palavra, cada gesto, como se fosse único e serei paciente, porque sei que aquele dia chegará, o dia em que Felipe entrará no laboratório afobado, atrasado e ofegante. Perderá o equilíbrio e eu, esperando ansioso no lugar certo, segurarei o seu braço com firmeza para evitar que ele caia. Nossos olhares se cruzarão, um calor tomará conta do meu corpo e eu o beijarei com paixão, sentindo seus lábios junto aos meus mais uma vez. Fecharei a porta. Tirarei suas roupas com cuidado, e ele, sem relutar, se entregará como se fosse a primeira vez. Sentirei cada centímetro do seu corpo como antes. Ele me fará esquecer que o futuro existe e me deixarei levar apenas pelo presente.

O tempo fará sua mágica e a paixão se transformará no aconchego do amor e viveremos tranquilos, serenos e felizes, por muitos anos, enquanto o futuro me parecerá algo distante. Pensarei que poderemos reescrever a história. Eu o ajudarei a conseguir uma promoção. Rodaremos o mundo dando palestras e seremos admirados. Viajaremos no tempo e no espaço. Faremos amor no presente, no passado e no futuro. Brigaremos porque eu pedirei a ele que encontre uma solução para o Ciclo Fechado, e ele me dirá que é impossível. Baterei a porta e sairei bufando do laboratório. Tentaremos infinitas vezes viajar no tempo sem sermos meros espectadores dos fatos, mas sem sucesso. Viveremos nosso, felizes para sempre, até que o tempo mostrará o seu lado implacável.

Um dia, sei que olharei para Felipe e ele estará dormindo ao meu lado, com o rosto iluminado pelo brilho do sol. Sentirei um aperto no peito por lembrar que nosso tempo juntos está terminando. Desligarei o despertador para que não tenhamos que ir para o trabalho. Beijarei sua testa e me aninharei junto ao seu corpo. 

Perderei horas pensando em uma solução, até que, em algum momento, uma ideia me parecerá perfeita. Desta vez tentarei recalibrar a Colúmbia de outra forma, buscarei um ponto de fuga no tempo, um desvio que eu acreditarei nos permitirá escapar. Farei ajustes, reescreverei códigos, alterarei variáveis. Terei certeza de que o futuro poderá ser diferente. Então, um erro em uma nova linha no código causará o acidente. E o ciclo se repetirá, uma descarga elétrica, um colapso temporal. Trancarei a porta, mas Felipe, assustado com o estrondo a arrombará e me jogara de lado e ele será atingido pela explosão e eu o perderei outra vez. Ele estará, como sempre, no lugar errado, no momento exato. 

Não terei tempo para lamentar, porque, quando recobrar a consciência, estarei de volta ao presente e Felipe baterá na porta e eu o deixarei entrar, ele me contará que foi designado pelo reitor e que será meu assistente. Tentarei parecer sério e comedido, enquanto seu cheiro me trará lembranças do futuro.


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